"Ele não está aqui. Ressuscitou" - Mateus 28: 6
Muito se fala sobre o verdadeiro sentido da Páscoa, data mais importante do calendário cristão, que celebra a ressurreição de Jesus após sua morte. No fundo, a maioria já sabe que a tradição não consiste na troca de chocolates, mas o sentido real desse fato não é tão simples de penetrar.
De todos os milagres realizados por Jesus, a ressurreição é o que mais exige fé dos seguidores do cristianismo, sem reconhecê-la a crença nos ensinamentos do nazareno seria vazia. A ressurreição é algo tão importante que, se a história de Jesus tivesse se encerrado no momento de sua morte, provavelmente ele não teria sido O Cristo e não passaria de um homem à frente do seu tempo, que foi sacrificado como mártir por seus ideais.
Por isso, ele precisou ir além e, ressuscitando no terceiro dia, comprovou uma das principais leis divinas, presente nas mais antigas filosofias do mundo, que é nada mais que a chave para a revolução da consciência hunana.
Essa lei é todos os dias representada pelos ciclos contínuos e harmônicos da natureza. O sol nasce, se põe e renasce em um novo dia; as estações do ano se sucedem; as árvores espalham as sementes dos seus frutos antes de morrer para que outras sejam semeadas... enfim, são muitos exemplos que o homem só deixou de perceber e compreender porque o excesso de razão cegou sua inteligência.
Dessa forma, germinou entre nós o terrível medo da morte, pois depois dela haveria apenas o nada, cairíamos no vazio aterrorizante do desconhecido. Ao vencer a morte, Cristo completa a chave: Ele nos lembra que existe o renascimento, quando nos sacrificamos pelo Amor.
Esse é o pulo do gato do cristianismo, peça que completa o quebra cabeças do Propósito Divino para a humanidade. Nos força a perceber que além da vida eventual, existe o depois e a qualidade desse futuro depende do que fizermos agora.
O meu dirigente costuma perguntar no começo de suas palestras quem gostaria de ir para o céu. A maioria levanta as mãos em sinal positivo. Então, ele lembra aos que estão ávidos pelo paraíso que para chegar lá é preciso antes morrer. Mais que depressa os braços são recolhidos. Por quê? Porque nós reconhecemos que não estamos prontos para a morte e que se o dia da nossa prestação de contas com o grande juiz fosse hoje estaríamos certamente destinados ao lugar dos devedores.
Para chegar ao Pai, Jesus precisou carregar sua cruz e ser nela sacrificado. Nós sabemos que sem seguir esses passos não alcançaremos a salvação. Essa é sem dúvida a pedra no sapato de todo cristão.
Quem deseja alcançar uma vida espiritual precisa morrer para si mesmo, para suas vontades, para suas paixões. E isso não é fácil. Renunciar ao nosso eu é o grande sacrifício que precisamos fazer para chegar a Deus.
Só aquele que confia no Criador e em seus desígnios é capaz de esvaziar -se de si mesmo para renascer em uma nova vida; só quem crê que Cristo é o caminho, se dispõe a carregar sua cruz para seguir seus passos, sem desculpas nem justificativas.
Quem está disposto ?
Feliz Páscoa
domingo, 5 de abril de 2015
“Casa popular em áreas nobres, não!”
Na esquina oposta ao “maior lançamento imobiliário do ano”, um empreendimento na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, composto por duas torres de apartamentos com varanda gourmet que custam até 3 milhões de reais, quadras de tênis, um parque aquático e até um supermercado da rede Pão de Açúcar, um terreno virou motivo de discórdia.
A área de 30.000 metros quadrados, usada atualmente pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), foi demarcada pelo Plano Diretor da cidade como um terreno destinado à construção de moradias populares, a contragosto dos vizinhos, que agora se mobilizam para tentar mudar a lei.
“O nosso pleito é que a área seja uma biblioteca parque, ou até um próprio parque mesmo”, explica Rafael Bernardes, diretor de planejamento da Associação Viva Leopoldina, uma das entidades mobilizadas para modificar a destinação da área.
O argumento da associação é que o terreno abrigou a garagem da antiga viação Âmbar e o solo estaria contaminado pelo óleo dos ônibus que estacionavam ali.
“A questão não é que o bairro não quer moradia popular, isso seria uma coisa higienista. O que a gente quer é deixar claro que aquilo é um terreno contaminado e que isso pode acabar adoecendo os moradores”, explica ele, que afirma que a instituição só descobriu sobre a contaminação depois de saber que o terreno havia sido considerado uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) tipo 3 –que prevê que 60% da área vire habitação popular para famílias que ganham até três salários mínimos, 20% para os que ganham até seis e o restante pode ser usado para uso não residencial.
De fato, o terreno de número 928 da avenida Imperatriz Leopoldina funcionou como uma garagem de ônibus e está contaminado. A CET, entretanto, afirma que o trabalho de descontaminação do terreno já está em andamento -informação confirmada ao EL PAÍS por um funcionário que trabalhava no local na manhã da última quarta. “Nas amostragens realizadas não foram observados valores acima dos limites de intervenção da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). Portanto, não existe risco às pessoas no local, sendo a única recomendação a de não utilizar poços para captação de água subterrânea”, explicou o órgão, por meio de uma nota. Não há, portanto, qualquer impedimento para que a área abrigue qualquer tipo de prédio.
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Apesar de a associação ressaltar que seu pleito não tem viés higienista, há moradores que afirmam que a chegada de um imóvel voltado aos mais pobres “desvalorizaria a região”. Na área próxima ao terreno despontaram, nos últimos anos, uma série de imóveis como o lançamento descrito acima. Na rua paralela, a Carlos Weber, por exemplo, um prédio recém-construído, com três torres de apartamentos, tem imóveis vendidos a 2,7 milhões de reais. O terreno fica a cinco minutos de carro do shopping e do parque Villa-Lobos e da marginal Pinheiros, uma das principais vias de acesso da cidade.
“Como é que pode?”, pergunta à reportagem Olívia Bohn, 52, dona de um estacionamento na frente do terreno disputado, ao ser informada sobre as intenções da Prefeitura. “Vão tirar as pessoas da favela e colocar aqui? Não é discriminando todas as pessoas que virão, mas tem um monte de bandido no meio. Vai acabar com o sossego do bairro”, diz ela.
“É só você ver o Cingapura [conjunto de moradias populares] que fizeram ali atrás do Ceagesp. É uma sujeira. Cheio de bandidagem. Se fizerem um aqui vai acabar com a região. Todo mundo que mora aqui com certeza vai sair”, diz o morador Demércio Pacheco, 45.
“A região não comporta esse tipo de coisa. Tem muita gente de nível alto aqui. Só para você ter uma ideia: lembra do picadinho? Aquele dono da Yoki que a mulher matou e picou... Então, foi na Carlos Weber. E o cara da Friboi? Aquele que a mulher mandou matar... Foi ali também”, conta ele. “E teve aquele caso famoso daquela médica que matou o filho, a nora e se matou”, complementa Bohn.
Pressão social
O terreno na Vila Leopoldina não é o único contestado por associações de moradores da cidade.
O Plano Diretor, aprovado sob forte pressão dos movimentos sociais em julho do ano passado, aumentou em 117% o número de terrenos onde só poderão ser construídas habitações populares. Com isso, numa estimativa tímida, haverá área para a construção de 240.000 novas residências para os mais pobres nos próximos 16 anos. O déficit habitacional estimado na região metropolitana de São Paulo é de 670 mil casas.
Depois de aprovado, o Plano Diretor tem que ser regulamentado por meio da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, que decide o que será feito em cada uma das 31 subprefeituras da cidade. Esse processo, que está em andamento, é aberto para a participação dos munícipes, que apontam sugestões de mudanças ao que foi aprovado no plano. Essas observações são avaliadas pelos técnicos, que podem fazer as alterações ou não, de acordo com a lei. O texto final, já com a contribuição popular, deve chegar à Câmara Municipal ainda neste semestre. Neste momento, os vereadores também poderão propor novas alterações.
Uma das mensagens de moradores deixada no site da Prefeitura.
“A gente está acompanhando esse processo e sabe que tem um movimento em São Paulo para diminuir o número de ZEIS”, conta Benedito Roberto Barbosa, dirigente da Central de Movimentos Populares, uma das entidades de luta pela moradia que atuam na cidade (são, ao menos, sete). Transformadas em ZEIS, essas áreas ficam congeladas e a construção de imóveis ou empreendimentos que não sejam para a população pobre fica proibida. “Há uma pressão muito grande do mercado imobiliário. Mas estamos preparados para uma verdadeira luta na Câmara", diz Barbosa.
Durante a discussão do Plano Diretor, no ano passado, os movimentos sociais chegaram a acampar na Câmara para pressionar pela aprovação da lei, que estabelece diretrizes para São Paulo até 2030. Mesmo assim, associações de moradores, em parceria com vereadores, conseguiram retirar áreas de habitação popular que estavam previstas em bairros nobres, como a Vila Nova Conceição, um dos metros quadrados mais caros de São Paulo, e Alto de Pinheiros.
No espaço destinado para a atual discussão da lei de zoneamento, há ainda queixas de moradores de bairros como Tatuapé, que também realizaram um abaixo-assinado para a modificação das áreas destinadas para as moradias populares, Jardim Vitória Régia (no Morumbi), e Parque Continental (próximo ao Jaguaré, também na zona oeste). O último grupo, inclusive, encaminhou aos vereadores uma “nota de repúdio” à ideia, em que afirma: “A lei sancionada pelo prefeito Fernando Haddad poderá invadir áreas nobres e de classe média (...) Os moradores indignados se mobilizam contra a criação de zonas para habitação popular e áreas de mais comércio por causa da desvalorização do bairro”. E pedem: “Casa popular e comércio em áreas nobres, não!”
fonte: El País Brasil
fonte: El País Brasil
segunda-feira, 30 de março de 2015
CPI da Petrobras faz um mês com blindagem ao PMDB e construtoras
"Quero registrar aqui o compromisso de independência, vamos trabalhar com imparcialidade, com autonomia", disse o deputado Hugo Motta (PMDB-PB), ao assumir o comando da CPI da Petrobras na Câmara, em 26 de fevereiro. Apontado para o cargo pelo presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o peemedebista se esforçava para afastar suspeitas de que a comissão blindaria quem quer que fosse. Um mês e dez sessões depois, interrogações começam a pairar sobre a independência da CPI.
A comissão já começou sob suspeição quando Luiz Sérgio (PT-RJ) foi eleito para a relatoria: o deputado recebeu doações de empresas envolvidas na Lava Jato, logo estaria, segundo o Código de Ética e Decoro da casa, impedido de relatar qualquer matéria envolvendo as companhias. Além disso, ao menos 15 outros integrantes da CPI também tiveram campanhas financiadas pelas construtoras. Apesar dos protestos da bancada do PSOL quanto a isso, nada foi feito. Até o momento, as empreiteiras envolvidas no esquema de formação de cartel e pagamento de propina foram poupadas, e nenhum executivo foi convocado para depor. O relator foi 'isolado' na comissão depois que a presidência da CPI optou por criar sub-relatorias, que na prática enfraquecem o poder de Sérgio.
Dias depois da instalação da comissão, uma surpresa: Cunha compareceu à sessão espontaneamente para depor. O parlamentar, que é investigado pela Lava Jato, usou seu tempo para atacar o Executivo e criticar a inclusão de seu nome na lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot: “Escolha irresponsável e leviana. Querem transferir a crise do outro lado da rua [Palácio do Planalto] para cá [Congresso]", acusou. Ao invés de questioná-lo sobre detalhes de sua suposta atuação no caso, a maioria dos parlamentares aplaudiu Cunha e o defendeu. Até mesmo deputados da oposição elogiaram o presidente da casa. Algumas vozes dissonantes, como Clarissa Garotinho (PR-RJ), questionaram o presidente da casa se ele esteve com o doleiro Alberto Youssef , se conhecia o lobista Fernando Baiano e se tinha contas em empresas offshore.
Situação e oposição tiveram interesses diferentes na sessão de desagravo a Cunha. O PSDB, que teve o senador e ex-governador de Minas Gerais Antonio Anastasia citado nas delações pelo ex-policial Jayme Oliveira Filho – que também implicou o presidente da Câmara -, louva a postura do peemedebista de enfrentamento com o Governo Dilma. Além disso, ao defender Cunha, o partido fortalece o argumento que busca desacreditar testemunhas que possam prejudicar a legenda. Já o petista Sibá Machado pretendia, com seus elogios, colocar panos quentes no tenso clima entre Cunha e o Executivo. A convocação de Oliveira, o Careca, também não foi aprovado na semana passada.
Fernando Falcão Soares, o Fernando Baiano, aliás, foi responsável por outro momento de descrédito na CPI, não tanto pelo seu depoimento, mas pela ausência dele: mesmo sendo um dos supostos operadores do PMDB na Lava Jato – o lobista teria recebido dinheiro de Yousseff e repassado para a campanha de Cunha – a mesa diretora da comissão não aprovou sua convocação. “Por que vocês têm medo de ouvir o Fernando?”, questionou Jorge Solla (PT-BA), ao que o relator respondeu afirmando que “foram apresentados 538 requerimentos [de convocação]”, e que "não era possível no plano de trabalho apresentar todos. Apresentei os que achei melhor para o início dos trabalhos na comissão”.
“Por que vocês têm medo de ouvir o Fernando?”, questionou Jorge Solla (PT-BA)
Até o momento, o depoimento que trouxe mais novidades para a comissão foi o do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, e ele teve um efeito desastroso para o PT e para o Governo. Barusco admitiu que recebia propina desde 1997, mas que apenas a partir de 2003, durante o mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o esquema de propina na estatal foi “institucionalizado”. Segundo ele, que depôs dia 10 deste mês, o dinheiro fruto de corrupção foi repassado para a campanha da então candidata Dilma Rousseff em 2010.
Os outros convocados de peso também se relacionam diretamente com o PT: os ex-presidentes da Petrobras Graça Foster e José Gabrielli, indicados por Dilma Rousseff, e o ex-diretor Renato Duque, colocado no cargo pelo ex-ministro da Casa Civil de Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu.
No dia 24 de março a comissão aprovou a convocação de mais um depoente que tem potencial para desgastar ainda mais o PT: João Vaccari Neto, secretário de Finanças do partido. Ele foi indiciado pelo Ministério Público Federal sob a acusação de captar dinheiro de propina para as campanhas petistas. A expectativa é que Vaccari da sessão do dia 9 de abril, a última antes dos atos anti-Governo marcados para o dia 12.
Nem sempre acaba em pizza
Autor de uma dissertação sobre as comissões parlamentares de inquérito e professor de Direito na Fundação Getulio Vargas, Yuri Carajelescov diz que as CPIs são instrumentos políticos benéficos à sociedade, e cumprem a função de informar possíveis irregularidades com o dinheiro público. Ele cita a comissão que investigou o tesoureiro PC Farias (em 1992), que ajudou a desvendar os esquemas do ex-presidente Fernando Collor de Mello, e a CPI dos Correios (2005-2006), que desaguou na questão do mensalão, como exemplos de comissões que cumpriram seu papel no Congresso.
"Teve a CPI do Narcotráfico, no início dos anos 2000. Além da CPI do Judiciário, que apurou uma série de irregularidades. Ela acabou com o juiz classista", afirma Carajelescov, que lembra ainda que a comissão desvendou o problema da construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, que acabou resultando na condenação do juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau.
fonte: El País Brasil
fonte: El País Brasil
segunda-feira, 23 de março de 2015
“Pagamento de propina na Petrobras transcende o PT e o PSDB”
Nem durante o Governo do tucano Fernando Henrique Cardoso, como disse a presidenta Dilma, nem no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, como afirmou o delator da Lava Jato Pedro Barusco. Nenhum dos dois partidos foi pioneiro quando o assunto é corrupção na Petrobras, segundo Pedro Henrique Pedreira Campos, professor do departamento de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Campos é autor do livro 'Estranhas Catedrais – As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar' (Editora da UFF, 2014), que mostra como as mesmas construtoras que hoje estão no banco dos réus da operação Lava Jato já pagavam propinas e se organizavam em cartéis durante o regime militar. E até antes.
Pergunta. Com a Lava Jato há um debate sobre a origem da corrupção na Petrobras. Quando começou a corrupção na estatal?
Resposta. Existe um jogo de empurra para ver de quem é a culpa, e isso fica muito à mercê dos conflitos políticos atuais. O problema transcende as principais siglas partidárias, PSDB e PT. A prática de pagamento de propina na Petrobras vai além disso. Pode ser que tenha surgido no governo do FHC e do Lula um esquema para financiamento de campanha. Este tipo específico de procedimento talvez tenha sido criado nestes governos, com o envolvimento de diretores da estatal e repasse para partidos. Mas isso é apenas um indicativo de quão incrustadas na Petrobras estão estas construtoras. Muitas dessas empresas prestam serviço para a estatal desde 1953, e existem registros de que essas práticas ilegais já existiam nesta época.
P. A corrupção é a exceção ou a regra no mercado das construtoras?
R. A impressão que tenho, e temos indícios disso, é de que a prática de cartel é institucionalizada no mercado de obras públicas. As vezes existem conflitos, mas o que impera é o acordo, os empresários não querem uma luta fratricida, porque isso reduziria as taxas de lucro deles, então eles tentam dividir os serviços. E isso remonta há muito tempo, desde a década de 50, quando o mercado de obras publicas no Brasil começa a se firmar.
P. Qual era a situação das grandes construtoras antes ditadura?
R. Na segunda metade da década de 50, com a construção de Brasília no Governo de Juscelino Kubitschek e a as obras de infraestrutura rodoviária, as empresas começaram a prosperar. Antes de JK elas tinham apenas alcance local e regional: eram empreiteiras mineiras, paulistas e cariocas que realizavam obras em seus respectivos Estados. Naquele período elas não tinham sequer o domínio sobre técnicas para obras hidrelétricas, por exemplo.
P. Como era a relação das empreiteiras com os militares?
A Odebrecht, que hoje é uma gigante do mercado, era muito periférica antes da ditadura. Era uma pequena empreiteira nordestina, bastante secundária"
R. Elas foram sócias da ditadura. Nisso a Camargo Corrêa se destaca. O dono era muito próximo do regime, e ela financiou a Operação Bandeirante, que perseguiu militantes de esquerda no país. As empreiteiras tiveram uma participação importante no golpe de 1964, que foi um golpe civil-militar. Várias associações de empresários foram antessalas do golpe, que contou com uma participação intensa do setor de construção. E depois elas colheram os frutos deste apoio.
P. Qual construtora que mais cresceu durante a ditadura?
R. A Odebrecht, que hoje é uma gigante do mercado, era muito periférica antes da ditadura. Era uma pequena empreiteira nordestina, bastante secundária. Não participou das obras do plano de metas do JK, nem das rodovias, mas ela cresce de maneira impressionante durante o período de exceção. Em grande parte porque ela tinha uma presença muito forte junto à Petrobras, que na época tinha muitas obras no Nordeste. Quando a estatal começou a crescer, a Odebrecht foi junto. E à partir daí ela conseguiu o contrato do aeroporto do Galeão (RJ).
P. O que deu força às empreiteiras brasileiras na ditadura?
R. O decreto presidencial 64.345 de 1969 estabeleceu uma reserva de mercado paras empresas brasileiras, que caiu como uma luva para elas, que não tinham como concorrer com as estrangeiras. [Segundo o texto, “só poderão contratar a prestação de serviços de consultoria técnica e de Engenharia com empresas estrangeiras nos casos em que não houver empresa nacional devidamente capacitada”] O decreto facilita a formação de cartel entre elas, a aumentou muito o volume de recursos e obras que as construtoras passaram a obter de contatos públicos. Com esse dinheiro elas vão adquirir tecnologia para realizar outras obras, como aeroportos supersônicos, as usinas nucleares, etc. Com o decreto elas passaram a tocar as obras do chamado ‘milagre econômico’ da ditadura, o que permitiu que elas obtivessem lucros altíssimos e aprofundassem as práticas de cartel e corrupção no Governo.
P. Não havia investigação destas práticas irregulares na ditadura?
R. [Essas práticas] não eram coibidas. Muitas vezes obras eram contratadas sem concorrência, isso era muito comum na época. As investigações sobre práticas de cartel eram raras, os mecanismos de controle estavam amordaçados, não havia Ministério Público e a imprensa era censurada.
P. Existe algum indício de que durante a ditadura haviam pagamentos de propina?
R. Naquele período vinham menos denúncias a público, mas isso não quer dizer que não houvesse corrupção. Há indícios que havia um sistema de propina institucionalizado naquela época. Documentos do Serviço Nacional de Informação indicam que haviam pagamentos irregulares, e que alguns agentes públicos seriam notórios recebedores de propina e comissões. Isso era muito comum e corriqueiro no período. Com o fim da ditadura isso passa a vir mais a público.
“Quem faz o orçamento da republica são as empreiteiras”, disso o então ministro da saúde Adib Jatene em 1993
P. Com a democratização, o modus operandi das empreiteiras mudou?
R. Houve uma mudança bastante pronunciada, que segue a mudança da organização do Estado. Durante a ditadura as atenções das empreiteiras estavam voltadas para o poder Executivo – ministérios e empresas estatais, principalmente. E quando o país se abre para a democracia a correlação de forças muda, e elas tentam se adaptar. Elas passam a atuar junto às bancadas e aos partidos políticos, porque o Legislativo ganha força. Elas passam a ser ativas para obter emendas parlamentares e verba para obras. Existe inclusive no Congresso uma bancada da infraestrutura, e eles são bastante afinados com o desenvolvimento das empresas.
P. Existe um mito de que durante a ditadura a corrupção era menor. Isso se comprova factualmente?
R. Eu diria que a corrupção era mais difundida e generalizada, pela falta de mecanismos fortes de fiscalização.
P. As empreiteiras ainda influenciam as decisões do Estado?
R. Acho que sim, elas são muito poderosas. Estamos vivendo um momento singular, elas estão bastante acuadas, mas elas são muito importantes no Parlamento, no processo eleitoral e para pautar as políticas públicas. Vimos no governo Lula a retomada de vários projetos que foram concebidos durante a ditadura, como a transposição do rio São Francisco e a construção de Belo Monte, por exemplo. E isso remete ao poder que esses empresários continuam tendo no Governo. “Quem faz o orçamento da republica são as empreiteiras”, disso o então ministro da Saúde Adib Jatene em 1993. O fato é que os empresários fizeram uma transicão de muito sucesso para a democracia. Elas haviam se apropriado de parte do Estado durante a ditadura, e continuam lá na democracia.
P. Os acordos de leniência que o Governo quer assinar com as empresas da Lava Jato são uma ferramenta que pode mudar a maneira das empreiteiras atuarem?
R. Historicamente elas já estiveram envolvidas em vários escândalos. E a lógica da política brasileira é colocar panos quentes e continuar adiante. A linha do governo é clara: estão na defesa declarada dessas empresas. Para mudar a relação do Estado com as empresas no Brasil seria preciso uma mudança profunda, repensando o sistema de financiamento eleitoral, e criando alternativas às empreiteiras privadas no país.
fonte: EL País Brasil
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