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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Exploração de trabalhadores arranha imagem da Copa no Catar

Obras para o Mundial levam cada vez mais imigrantes ao país, mas condições de trabalho subumanas, com riscos à saúde e à segurança, transformam sonho em pesadelo. Confederação sindical fala em "escravidão do século 21".

Os abastados Estados do Golfo Pérsico atraem todos os anos milhares de sul-asiáticos com a perspectiva de trabalho bem remunerado, um fluxo intensificado nos últimos meses devido às bilionárias obras para a Copa do Mundo de 2022 no Catar. Porém, muitas vezes tais promessas se revelam enganosas, como no caso do nepalês Bide Majakoti.

"Tinham me oferecido um trabalho numa oficina de automóveis, mas no Catar nós, imigrantes, fomos contratados por uma firma de construções. Eles obrigaram a gente a trabalhar para todo tipo de empresas. Tive que trabalhar em andaimes de 100, 200 metros de altura. Era perigoso, mas os mestres de obras diziam que nós é que éramos responsáveis pela nossa segurança", conta.

Majakoti fora atraído para o emirado árabe pela esperança de ganhar dinheiro rápido. Mas a realidade foi bem outra. "Eu tinha feito um empréstimo a juros altos para poder viajar para o emirado. Mas lá não recebi salário nenhum, e aí não pude pagar o crédito. Eu precisava de dinheiro para uma operação do coração, para salvar a vida da minha filha, e tive que vender minhas terras no Nepal. Agora estou no meio de uma crise financeira", completa.

Diversas formas de exploração

"Muitos dos cerca de 1,2 milhão de trabalhadores estrangeiros no Catar sofrem abuso e exploração numa dimensão que se poderia classificar como 'escravidão do século 21'", resume um relatório da Confederação Sindical Internacional (CSI). Em grande parte, trata-se de operários não qualificados de Nepal, Índia e Bangladesh. Muitos hesitam em revelar suas histórias à imprensa, temendo represálias e deportação.

 Arranha-céus e estádios no Golfo construídos em condições de exploração

Com frequência, a miséria dos imigrantes já começa antes mesmo de chegarem ao Golfo Pérsico. Impelidos pela pobreza, desigualdade social e falta de oportunidades de trabalho em seus países de origem, eles vendem suas parcas posses e fazem empréstimos para pagar as altas taxas de contratação exigidas pelos agentes de emigração locais. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), as quantias ficam entre 3 mil e 10 mil dólares.

Os problemas são agravados pelas práticas ilegais das agências de recrutamento. "Os mediadores atraem os operários com falsas promessas, visando a elevar o próprio lucro. Muitos falsificam os vistos de trabalho e os contratos", explica à DW Nandita Baruah, da ONG de desenvolvimento Asia Foundation.
"Muitos emigrantes dependem desse agenciamento: eles não contam com nenhum outro interlocutor e também não conhecem outros canais que lhes permitam deixar o país de forma legal", observa.

Leis ineficazes

Chegados a seu destino, os trabalhadores importados se veem, em grande parte dos casos, expostos a tratamento injusto e abusos no local de trabalho. "Alguns dos operários estrangeiros não conseguem nem os empregos nem os salários prometidos. Seus contratos são rasgados. Além disso, muitos donos de empresa retêm os passaportes", revela a secretária-geral da CSI, Sharan Burrow.

"Acrescente-se que os homens têm que trabalhar frequentemente em condições de risco, e não podem se organizar em sindicatos", continua. Os operários também denunciam à confederação sindical os alojamentos lotados e extremamente anti-higiênicos, assim como a falta de água potável.

A exploração da mão de obra estrangeira é ainda intensificada pelo sistema de fiança denominado kafala, que proíbe os operários de mudarem de emprego ou deixarem o país sem permissão do patrão.
A legislação trabalhista do Catar até prevê a limitação da jornada de trabalho e obriga os empresários a fornecerem salários, alojamentos e cuidados de saúde condizentes. No entanto, segundo especialistas, apenas raramente as autoridades fiscalizam ou impõem o cumprimento desses regulamentos.

Denúncia de mortes

Segundo um relatório expedido este ano pela organização de direitos humanos Human Rights Watch, o governo catariano emprega apenas 150 fiscais do trabalho – cuja atuação, contudo, não inclui conversas com os operários.

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A CSI acusa o emirado de não prever um processamento jurídico adequado das queixas dos empregados. Indagado pela Deutsche Welle sobre tais acusações, o Ministério do Trabalho em Doha não forneceu qualquer resposta.

À medida que o Estado do Golfo rico em reservas naturais de gás empreende um bilionário programa de construções para acolher a Copa do Mundo de 2022, ele entra cada vez mais na mira da comunidade internacional. Acumulam-se as críticas pelas mortes de dezenas de operários estrangeiros nas obras para a Copa.

A crítica foi desencadeada por uma reportagem do jornal britânico The Guardian. Segundo o diário, 44 operários nepaleses morreram durante o verão no Catar, cujas temperaturas chegam a até 50 graus centígrados.

Doha respondeu com o anúncio de que dobraria o número de fiscais trabalhistas e encarregaria um escritório de advocacia de verificar todas as alegações. No entanto, as autoridades nacionais rechaçaram a acusação de que imigrantes nepaleses seriam tratados "como escravos".

Fifa "apreensiva"

A Fifa declarou-se "muito apreensiva" com as notícias na imprensa e adiantou que abordará, junto às autoridades catarianas, as acusações de violação do direito trabalhista e de más condições de trabalho nos projetos para a Copa 2022.
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Especialistas no setor alertam que o abuso dos imigrantes e de seus direitos trabalhistas não se restringem ao Catar. Também na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes Unidos, no Kuwait e na Malásia são documentadas estruturas de exploração semelhantes.

Os peritos concordam que, para melhorar as condições de trabalho e vida dos trabalhadores imigrados, serão necessárias consideráveis reformas estruturais nos países de destino.
Só o Catar precisará de mais 1 milhão de operários, nos próximos anos, a fim de ampliar a infraestrutura e construir os estádios para o Mundial de futebol.

"É preciso pressão internacional, especialmente por parte dos Estados participantes da Copa do Mundo e do mundo esportivo", enfatiza Nandita Baruah. "Precisamos nos perguntar se nossa consciência nos permite jogar em estádios e centros que foram construídos com o sangue dos trabalhadores imigrantes."

fonte: DWE

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