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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

TERÁ SIDO UM ATO FALHO?

texto de Sírio Possenti

Site: Terra Magazine 
No sábado passado, ao lado de Eduardo Campos, Marina Silva fez um pronunciamento relativamente longo. Lá pelas tantas, deu a entender que tinha esticado sua fala para esperar a chegada de Luiza Erundina, que elegeu como madrinha de sua filiação ao PSB. E produziu uma pequena ironia: disse que não gosta de falar muito, afinal, é mulher, é política… etc. Ela acredita nesse velho clichê das mulheres faladeiras? Eu achava que não. Afinal, costuma-se louvar sua cultura.

Gosto de escarafunchar detalhes. Esta minha mania, que às vezes me constrangia, adquiriu foros mais relevantes, para mim, depois que li um clássico texto de Carlo Ginsburg em que propõe um paradigma indiciário. Mostra a coincidência de procedimentos na investigação (nos romances policiais, por exemplo, mas não só), na psicanálise e na medicina, pelo menos a do tempo em que o médico dava seu diagnóstico com fundamento nos indícios – o que lhe contavam os pacientes e os resultados de alguma apalpação (hoje, a maioria pede exames de cara; muitos mal conversam com os pacientes. Eu disse “pacientes”? Talvez sejam “clientes”).

Na teoria de Freud, os atos falhos têm um interessante destaque. São falas (palavras, eventualmente) que saem da boca do falante sem que ele queira.  Elas lhe escapam. Estavam recalcadas, mas fogem. Às vezes o falante se dá conta do que aconteceu. Eventualmente, fica encabulado. Outro conceito freudiano interessante é o de denegação: simplificando, é uma negação que equivale a uma confissão.

Marina insistiu em dizer que a aliança não era pragmática, mas sim programática. Tantas negativas poderiam fazer o ouvinte se perguntar por que insistir tanto na afirmativa. Seria uma denegação? poderia perguntar um ouvinte a seus botões.

Sua desconfiança poderia aumentar quando Marina cometeu um ato falho: queria dizer que a aliança era programática – como já dissera várias vezes -, mas disse “pragmática”. Não enrubesceu. Fez uma pausa e repetiu, com cuidado, “programática”.

Claro que não se pode julgar ninguém com base em dois indícios. Até porque “programática” e “pragmática” são palavras muito parecidas. Mas talvez valha a pena ficar de olho para ver se o futuro confirma ou não a suspeita de que houve uma denegação e um ato falho.

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