Páginas

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Herdeiros de escravagistas buscam indenização do estado.

A proposta, criada em nome da "Associação Eduardo Banks", busca a garantia de indenização aos descendentes de proprietários de escravos, por terem sido, segundo a proposta, "lesados" quanto ao seu direito de posse. O argumento é o mesmo defendido por fazendeiros nos meses que antecederam à Abolição.
Eduardo Banks sentado em seu "trono"
Eduardo Banks sentado em seu "trono"

Às vésperas das comemorações dos 122 anos da abolição da escravatura no Brasil, uma proposta de Lei, realizada pelo jornalista carioca Eduardo Banks dos Santos Pinheiro - o mentor da idéia que tomou forma por meio da Associação que leva o seu próprio nome - visa restaurar parte do sistema escravocrata brasileiro, pretendendo alterar a Lei Áurea (Lei nº. 3.353, de 13 de maio de 1888) para garantir a indenização do Estado aos proprietários e senhores de escravos, por conta da Abolição. 

A proposta, criada em nome da "Associação Eduardo Banks", busca a garantia de indenização aos descendentes de proprietários de escravos, por terem sido, segundo a proposta, "lesados" quanto ao seu direito de posse. O argumento é o mesmo defendido por fazendeiros nos meses que antecederam à Abolição. 

Assinada pelo presidente da associação, Waldemar Annunciação Borges de Medeiros, a sugestão mantém a extinção da escravidão, mas inclui o direito de indenização aos proprietários, seus descendentes ou sucessores. Cita o inciso XXIV do artigo 5º da Constituição de 1988, que trata da desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, e prevê justa e prévia indenização em dinheiro. 

Segundo o jornal O Globo, uma das justificativas dadas pela Associação e seu dirigente para o pedido de indenização foi uma comparação entre a Lei, que garantiu a liberdade a mais de 700 mil pessoas que ainda viviam sob o regime da escravidão e os animais, ao afirmar que a maneira que a Lei Áurea foi aprovada, sem nenhum direito aos proprietários, pode se comparar a possibilidade de nos dias de hoje fosse aprovada uma lei para a "libertação" de todo o gado, sem indenização aos donos. Dizem que, à época, o escravo era tratado como semovente (instrumento vivo). 

Em outra justificativa, Medeiros afirma que "possuir escravos poderia ser até algo condenável moralmente, mas era regulado por lei, não sendo razoável que os proprietários deixassem de servir-se da legislação em vigor para atender a discutíveis preceitos de Moral e Religião". 

"O que se discute aqui, portanto, é que mais de 200.000 brasileiros livres eram proprietários de 723.419 escravos, e que da noite para o dia o governo arrebatou esse patrimônio de seus donos sem dar nenhuma satisfação, e muito menos, indenização", afirma na defesa da bizarra proposta. 

Considerada inconstitucional, a proposta foi rejeitada - sem discussão - pelo presidente da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), com base no Regimento Interno da Casa, sob um argumento que, na prática, nega a evidência histórica de que a escravidão foi um negócio do Estado brasileiro. "Não há possibilidade nenhuma de caracterizar o ser humano que realizava trabalhos forçados, em situações deploráveis, na condição de escravo como propriedade protegida por lei. Dessa forma, a proposta não será discutida no âmbito desta Casa", disse Pimenta, parecendo ignorar que o tráfico e o comércio eram negócios regidos por Leis do Estado, como a Lei dos Sexagenários (Lei Saraiva/Cotegipe - 3270 de 1885) que fixava preços dos escravos em valores, sempre 25% menores para as mulheres. 

O deputado Paulo Pimenta, além de arquivar o processo, ainda afirmou que "a escravidão foi um imenso erro cometido pela humanidade e que reconhecer o direito à indenização seria um retrocesso à legislação vigente e um ataque à dignidade humana". 

O arquivamento do processo gerou polêmica na Câmara por ter acontecido sem que a proposta fosse posta em votação. Alguns deputados, mesmo discordando dos argumentos da proposta, acreditaram que o projeto deveria ter sido submetido à comissão antes de ser vetado, já que a comissão visa teoricamente à participação popular da sociedade. 

Mesmo discordando do mérito da sugestão, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) e outros dois deputados questionaram a decisão unilateral: "Ele deveria ter submetido à comissão e não ter decidido unilateralmente. A CPL é a porta entre Legislativo e sociedade civil e deve analisar as sugestões, sem nenhuma limitação às sugestões. Certamente, com esse nível de absurdo, não passaria na comissão, mas não é democrático o presidente decidir sozinho." 

A possibilidade de pedidos de indenização por parte de proprietários de escravos não é novidade. Ainda no dia 14 de dezembro de 1890, o então ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, ordenou a queima dos registros de matrículas dos escravos, que existiam em cartórios brasileiros, para evitar pedidos de indenizações feitos pelos antigos senhores. 

Em entrevista concedida ao portal Afropress, Eduardo Banks afirmou que não tem nada contra os direitos dos negros, mas que quer o reconhecimento dos direitos dos proprietários, já que alguns estados, como São Paulo, por exemplo, foram arruinados pela Lei Áurea. "Os negros que aproveitem a liberdade prevista na Lei, porém, o Estado deve pagar a conta". 

"Nada tenho contra os direitos dos negros. Quero apenas o reconhecimento dos direitos dos proprietários. O Estado de S. Paulo, por exemplo, foi arruinado pela Lei Áurea, porque ela aconteceu exatamente no período da colheita do café. Houve um prejuízo enorme dos produtores de café de S. Paulo. Seria a mesma coisa hoje que o Governo mandar queimar todas as plantações de soja", afirmou Banks, por telefone, com ar sério de quem pretende recolocar o tema no debate público. 

Ele protestou contra a decisão de Pimenta de arquivar a proposta sem debate na Comissão e disse que insistirá na defesa da idéia. "Não nos foi dado o direito sequer de tentar defender nosso ponto de vista". 

Banks afirma ainda que pretende procurar outros deputados componentes da CLP ou senadores para pedir que recorram ao plenário e que aceitem apresentar a proposta com o próprio nome, como um projeto de Lei Ordinária. "Se não obtivermos resultado por essa via, procuraremos algum deputado federal ou senador que aceite encampar a iniciativa, e apresente em nome próprio o mesmo texto, na forma de Projeto de Lei Ordinária perante alguma das Casas Legislativas do Congresso Nacional", finalizou. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

COMENTE AQUI